sábado, 21 de maio de 2011

as viagens do alicatinho

Fui viajar semanas atrás, achei esses rabiscos nos papéis que escrevi por aí:


Viagens são momentos instigantes por natureza... Fora as novidades de cada lugar, a quebra da rotina ao sairmos de “nossas zonas de conforto” e afins, sempre acontecem coisas curiosas ou esdrúxulas para colaborar, não é mesmo?

Olha só:

- Ah sim. Tudo certo. O embarque da senhora está confirmado. A senhora tem na bolsa algum objeto de ponta ou perfurante?

- Sim. Tenho. É claro.

E a mocinha de gravatinha me olha com cara de pânico.

E continuo...

- Tenho grampos, tenho chaves, escova de dente... Tanta coisa, né?

E a mocinha de gravatinha e coque ensebadinho com cheiro de laquê me olha com cada vez mais cara de pânico.

- Escova de dente é altamente perfurante, não é não? - Digo já ameaçando abrir a bolsa e começar a tirar tudo que eu tenha ali “de ponta ou perfurante”.

A mocinha ensebadinha, com cara de tacho ao cubo, logo me interrompe:

- Não, não, minha senhora. Não precisa abrir nada, não. Não, não, minha senhora. Grampo de cabelo não é perfurante. – e, literalmente, logo me despacha dali.

Então eu me pergunto...

- Onde é que escova de dente não é objeto perfurante??? Como é que não pode ser considerada uma arma pesada e de alto impacto?!? Essa senhora de gravatinha, com cada fio de cabelinho em seu lugar, nunca teve TPM, não?!? Olha, fofa... Na minha terra, mulheres-de-TPM são capazes de enfrentar o exército persa com muito menos espartanos... Só com uma escovinha de dentes, está sabendo? Grampos? A senhora-perfume-de-laquê não conhece o Macgiver?!? O cara era capaz de explodir uma avião com uma bomba feita de 2 grampinhos e meio chiclete mastigado. E sem estar de TPM, hein... A única diferença entre a mulher-de-TPM e um terrorista é que com o segundo tem negociação. Quais serão então os critérios dessa revista? E que porra são “objetos de corte ou perfurantes”?!?

Peguei essa birra desde que confiscaram meu alicatinho de unhas.

Ora... Lugar de alicatinho de unha é na bolsa da perua. Alicatinho de unha é objeto super inofensivo. Seu único crime é arrancar 1 ou outra pelinha de vez em quando.

Mas certa vez me barraram com aquela cara acusatória de “a senhora é uma criminosa”, “terá seus pertences confiscados”... Levaram-me para um lado, meu alicatinho para outro... E por onde eu passava a sensação era de que todos me olhavam, me evitavam, com cara de “lá vai a maníaca... aquela terrorista que tentou embarcar armada”...

Ninguém mais acha que um dos melhores lugares para se fazer a unha é no avião? Ninguém mais nunca pensou que é uma ótima forma de ocupar o tempinho da viagem, de matar (sem direito a atentados terroristas...) dois coelhos com uma “caixa d´água” só, e ainda chegar ao destino com a mãozinha arrumadinha?

Desde então peguei a maior birra mesmo. Não gosto que confisquem minhas coisinhas. Não gosto de critérios duvidosos. Não gosto dessa herança americano-paranóica.

Desde então a perua aqui faz questão de ter as coisas devidamente explicadinhas... Com um pingo de coerência e juízo crítico bem definido a respeito de regras e normas instituídas e vigentes.

Faço cara de é-óbvio-que-eu-estou-falando-uma-verdade, e vou abrindo a bolsa e sacando toda ordem de coisas perfurantes que saem dessa mente criativa aqui.

Das mil, uma... Ou quem faz o crime é o criminoso. Ou tudo pode ser uma arma, dependendo do sentimento e da ação do sujeito.

Óbvio que não vou defender o porte de arma. Armas foram feitas com o objetivo do ataque, do ferir o outro. Descartadas desde já, qualquer que seja o uso. Por mim, descartadas até de exércitos e das “forças armadas”, por mais contraditório que isso possa parecer.

Sou da paz. Totalmente. Exceto as TPMs... Mas sou capaz de transformar em arma qualquer coisa se assim o quisesse (ou dependendo do calo que pisem...).

Criatividade é um carma...
Mas, por outro lado, sejamos coerentes – o que é que vão fazer? Barrar o uso e transporte de todos os objetos?



Pois bem... Isso foi há umas duas semanas.

Semana passada fui viajar de novo.

Fiz minha malinha super compacta, praticamente uma caixa de sapatos grande. Pesava menos que minhas bolsas... Tentei despachá-la (com o alicatinho dentro!!! E não na bagagem de mão) mas tínhamos tanta tralha tanto material para embarcar que a própria mocinha do check in falou para carregarmos a malinha (já que era tão pequena...) conosco.
Ok.

Dessa vez o papo no raio X foi meio assim:

- Como é que nesta mala na etiqueta está escrito “Evandro”, quem está carregando é “Fernando” e esse diz que a mala é da “Daniela”, e ela é que sabe dizer o que tem dentro?!? Abre tudo.

E me buscaram lá no outro raio X, literalmente com as calças na mão (com o cinto do ex marido apitando e eu sem saber porque), tirando santinho com alfinetes do sutiã, fivelas na boca, e o povo me chamando na outra máquina, onde eu olho e vejo que MINHA MALINHA ESTAVA TODA ABERTA!!!

Ai, meu caneco...

Foi um tal de fecha alfinete com santinho, passa cinto pelos passantes, enfia papel, grampo e documento pelos bolsos, atravessa a fila do raio X e corro até minha malinha arreganhada.

- Cáspita! – e eu acho até que xinguei em voz alta...

- Fernando, como é que você deixa isso acontecer? Você não estava carregando minha malinha?

-

E os meninos com aquela cara de “mandaram abrir a gente abre”.

- Minha baguncinha, minhas roupinhas, minhas calcinhas, tudo ali... Numa esteira de raio X... Que mundo é esse? Quem foi que fez isso, catso?!?

A Dona da Polícia Federal aparece.

- Fui eu, minha senhora. Eu que mandei abrir.

- Ah, perdeu a noção, hein... Minhas coisinhas todas esparramadas nessa esteira? Que que está pegando? Quer o que com minhas roupinhas? Estava tudo dobradinho para caber certinho. Já arrumei uma vez, vou ter que arrumar de novo? Qualé?

- Nesse cantinho aqui, ó... Dentro desta bolsinha. A senhora está embarcando com um alicatinho de unha?

Pasmem!!!!!!!!!!!!!

E então abriram minha bolsinha.... revirando tudo no cantinho da mala.
Ela diz:

- Vou ter que olhar tudo que tem dentro.

- Hein?!? É maquiagem, toilette, coisinhas de banheiro... Coisa mais invasiva, pô!

- Hummmm.... alicatinho de unha...

- Aaahhh.... de novo, não! Já confiscaram meu alicatinho uma vez, eu botei na mala para não ter que passar por isso de novo. Eu tentei despachar essa mala mas como já tínhamos 76 kg de excesso de peso, não deu, não.... Olha aí, tem alicatinho e um esmalte vermelho. Estou levando para fazer a unha lá, olha só o estado das minhas unhas. Não vou chegar lá sem meu alicatinho, não. Prestenção, a mala estava lacrada, vocês que abriram.

Ela pega o alicatinho e eu começo a suar frio...

- Pára com isso, Dona Polícia Federal. Não tem nada mais interessante para vocês confiscarem, não? Não tem bandidos de gravata em um aeroporto internacional? Vai encrencar (de novo!) com o meu alicatinho? Minha senhora... se eu fosse terrorista ou se eu estivesse de TPM e se eu quisesse mesmo, eu atacava um avião com as próprias unhas, estando elas feitas e pintadinhas de vermelho ou não... Faça-me o favor! Neguinho faz bandalha por aí como quer e eu vou ficar sem minhas coisinhas. Fecha minha mala, por favor.

- Olha moça, a senhora leva o alicatinho, mas vou ter que ficar com isso aqui.

- A espátula?!? Essa é para eu empurrar a cutícula, assim ó.... – e vou gesticulando para ver se eles entendem melhor. - Como é que vou fazer a unha sem empurrar a pelinha? Vou levar o alicatinho e a espátula não? Você não faz a unha, moça? Precisa do kit completo. Não dá para empurrar com tampinha de caneta bic. Que onda....

- Pronto. Vou ficar.

- Não acredito... Está comigo há mais de 20 anos. Minha irmã que me deu. É uma espátula cheia de valor afetivo, além de ser útil e funcional, faça-me o favor...

- Ô moça... Não posso, não. A senhora está levando o alicatinho... A espátula tem que ficar.

- Guarda para mim? Na volta eu pego. Em uma semana eu volto, desembarco nesse mesmo aeroporto, passo por aqui e pego com você.



Não deu...

Não “podem ficar com nada que seja dos passageiros”.

Para guardar, com carinho, atenção e bom senso, né.
Para jogar fora, podem...
E então acho que minha espátula querida foi para o lixo... Ou talvez incinerada com toneladas de sei lá o quê que apreendam por aí...

Ai, ai... Mundo besta, sô!




... nessa casa se ouve Bob Marley

4 comentários:

Astria disse...

Muito bom! Vou repassar pra minha mãe, ela tb já teve seu alicatinho confiscado e ficou chateada tb!

Rosa Maria Ferrão disse...

EU SOU A MÃE. Na minha última viagem ficaram com minha tesoura de cortar cabelo.
Texto excelente, bem escrito, bem humorado. Aliás, gostei mt do seu jeito de escrever. Parabéns1

Rosa Maria Ferrão disse...

delícia de txt. Parabéns!

Anônimo disse...

Oi queridas! Pois é, é triste mas é real... eles confiscam alicatinhos, espátulas e tesouras. Mas a gente sobrevive... Com as unhas e cabelos em crise, mas sobrevive. Que bom que gostaram da 'minha casinha'. Fiquem à vontade, voltem sempre! ;) beijo, DR