quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A “autópsia da cigarra gigante” (*) é aqui...

Eu estava quietinha, em meu cantinho, fazendo minhas coisinhas.
Eis que entra um Bicho Voador Não Identificado (também chamado de “bívini”)... alucinado, estridente e graaande!.
Verdadeiro invasor da minha toquinha...

- Que é isso? Quem ou o que é você? Veio em missão de paz?
- Quer parar de voar para lá e para cá, de ficar quicando e berrando pela casa?
- Quer parar de me assustar?

É grande... pode ser um passarinho! Não, não... passarinhos do bem não entram na casa dos outros essa hora da noite. A menos que realmente haja algo errado no mundo lá fora... Mini morceguinho? Não.... mini morceguinhos devem ser mais zens, menos elétricos que essa coisa saltitante aí...

Quando o bicho pousa, eu paro de tremer e berrar, (meio que...) consigo ver do que se trata... Grande, formato de kibe, peludo e com asas transparentes. Aaahhhh.... é um inseto nojento, grande, formato de kibe, peludo e com asas transparentes

Putz. Não sei o que é isso não... Só sei que não deveria estar aqui... muito campestre, quase jurássico, deve ser habitante da floresta...

Tento alguma comunicação.
- Fofo (?), presta atenção! Aqui não é o seu lugar, isso aqui é um (pequeno) apartamento inserido no meio urbano. Não tem alimento, não tem lugar de repouso, não tem nada de interessante para você. Sou uma pessoa que se assusta, que não convive bem com animais em lugares que não têm grama. Melhor ir embora, vai procurar sua turma. Beijo, me liga!

Abro as cortinas, abro portas e janelas, mostro o caminho para o cara.
Nada...

Pousou sobre a caixa mais alta, na prateleira mais alta da casa.
Filho da pulga...

Eu insisto...
- Aí não é seu lugar, saia antes que eu pegue uma vassoura. Ó... está tudo aberto para você sair. Fica lá fora, fica.

Nada...

- Bom, vou voltar para o meu cantinho... então fica quieto aí, e não se mexa, falou? Quando resolver ir embora, vá de uma vez só, sentido porta da varanda.

Viro as costas e o bicho começa a saculejar novamente. Grita, apita, voa (e rápido!!!) pela casa toda, bate de um lado para o outro. Chego a me abaixar (berrando...) a cada rasante que ele dá em minha direção.
Merda!

Acho que eu só não sai correndo e gritando pelo prédio porque tive um minuto de lucidez... vi que eu estava de calcinha e sutiã e ia ser um escândalo.

- Cara!!! Que que você tomou? Qual que é a sua? Para que isso agora?

Pego armas químicas e 1 vassoura. Detefon em punho e saio borrifando essa nheca pela casa toda, tentando mirar em um bicho que não para quieto.
Cada vez que eu tento matar um inseto eu quase morro junto por intoxicação...

- Vai, canalha! Fica enjoado você também e sai para respirar ar fresco lá fora...

Pousou. No fio da luminária.

Hummm... Movimento calculado.
Está na linha da janela aberta.
Sou boa de mira e de cálculos de física. Sei a força e a direção da vassourada e o bicho vai em parábola direto para a árvore lá de fora.

Não tenho coragem.
Não consigo.

Dou vassouradas por perto para ver se ele se assusta com o ventinho na orelha e resolve sair por conta própria. Acerto luminária, fio, coisas em cima da mesma e o nojento nem se mexe.

Perdi as esperanças. Já perdi a confiança. Não acredito mais que ele vai ficar quieto até se dar conta que aqui não é seu lugar e ir embora... Daqui a pouco ele começa a se sacudir de novo, deve estar meio bêbado de inseticida, vai se esconder e sair para puxar meu pé no meio da noite...

Pego a latinha de veneno novamente. Tiro tudo que está por baixo do cara, miro bem, viro o rostinho para nem olhar e... tchhhhhhhh.....

Aí, aí, ai... Eu tremo, saculejo e grito mais que ele....

Cai no chão. Respiro fundo e vou pegar a pá do lixo.
Deve estar morto. Barriga para cima... Chego perto e o cara treme e apita novamente!
Começa a girar, mesmo nessa posição ridícula, e a uns 40 km/ h... parecia uma enceradeira em pane, um carrinho a pilha quando bate na parede.

Eu começo a pular.

Pego um pano molhado, fica pesado, jogo em cima do cara. Pronto. Você tem uma morte digna, respira, desintoxica, fica fresquinho e não me enche mais o saco.
Encharquei a casa toda...
Botei a pá do lixo em cima, viradinha que nem uma concha. Ok. Quando eu vier limpar aqui, as ferramentas já estão à mão, vai para o lixo com pano e tudo.

- Otávio? Está no telefone? Estou com problemas... Que faço?

Mal consigo ouvir sobre os procedimentos... Fico enojada só de pensar... Acalmei, parei, sentei.
Tentei por uma meia hora dar cabo daquilo. Refleti, matutei, filosofei, rezei.
Até que me enchi de coragem e fui à cena do crime... Tiro a pá, e a besta tinha saído de debaixo do pano!!! Agonizava ainda ali...

Aaaaiiiii.... Começo a gritar e espernear de novo!

- Otáááávio.... não vou dar conta! E agora?
- Chama o síndico! Desce comer uma empada, pede para o dono do bar fazer essa gentileza para uma cliente. Sei lá... Ou então vai lá... Olha o bicho no olho, aprende a enfrentar seus medos, pô!

Tento novamente... por mais quase meia hora...
Resolvo pedir ajuda ao vizinho. Ouço barulho de TV, deve ter alguma boa alma acordada por aí, me visto e saio...

- Quem é?
- A vizinha aqui do lado.
- Ah ta. Só um minutinho.
- Oi. Boa noite. Tudo bem? Seguinte... estou com problemas, realmente preciso de ajuda. Vizinho é para isso, né.... se ajuda, coopera, colabora pela paz na comunidade. Estou até com um pouco de vergonha, mas é fato, é real. Quer dizer, é fatalidade. Entrou um bicho, eu estou nervosa, eu estava trabalhando, já atrasei tudo, estou há mais de 1 hora cuidando dessas questões, não estou dando conta sozinha. Ele voava de um lado para o outro. Eu sei que devia enfrentar meus medos, estou tentando, mas não consigo... quer dizer, consegui em partes, já foi um avanço. Matei. Matei com armas químicas, joguei o pano em cima. E o bicho apitava. Mas acho que eu devia ser da máfia... eu consegui matar mas não consigo me livrar dos corpos. Sabe como é... estou ainda nervosa, tremendo, já chorei, já berrei, mas consegui. Foi uma questão de invasão de domicílio. Eu tentei diálogo, abri a janela, falei para ele sair. A gente acha que é auto-suficiente, que consegue dar conta de tudo, que não precisa de homem para nada. Balela. Primeiro inseto nojento que aparece e a auto-suficiência e independência, ó... vão pras picas. Quem é que vai me ajudar com o bicho? Já pensou se fosse barata? Ia ser bem pior, eu era capaz de sair correndo e nunca mais voltar. Veja você, que bom ver um rosto amigo pela frente.

O vizinho foi ficando meio corcunda e com os olhos fechadinhos.
Achei melhor parar de falar, ele talvez pudesse achar que eu fosse uma maluca.

Ele vira e diz:
- Não estou entendendo nada do que você está falando... peraí que eu vou botar os óculos.
- ???

Ufa! Não sou maluca.
- Explica aí o que está acontecendo... como assim?

Eu explico tudo de novo. Ele bota o chinelo e vem aqui me ajudar com o serviço sujo.

- Ora... Veja você. É uma cigarra. Tem muitas aí na árvore. Ela entra se esconder quando vai morrer. Canta, canta, canta até morrer. Ela canta até explodir.
- ???
- Que nojo! Que horror! Explodir???? Entrou na minha casa para morrer? Que onda... Canta até explodir??? Amy Winehouse?

Ele joga o bicho num saquinho, me acompanha até a lixeira do prédio.
- Obrigada, meu herói!
- Boa noite. Fique tranqüila.
- Boa noite. Se precisar de alguma coisa, sei lá... acabar o açúcar, botão na camisa, diga aí.

A culpa, o remorso, a dor pareceram aliviar... Canta até explodir? Veio aqui para se matar? Por que aqui? Como assim explodir?
Quem mata um bicho suicida alivia sua pena? É ‘eutanásia do reino animal’?
Será que ela preferia cantar e explodir? Eu interrompi esse processo doloroso e profundo?
Eu serei menos má por matar um inseto com instintos suicidas?
Por que veio se matar aqui? Eu ia ver você explodir?
Não acreditoooo. Essas coisas só acontecem mesmo comigo. Você entra na minha casa para eu presenciar essa cena bizarra? Mas para que isso agora?
Que aconteceu? Briga em casa, marido safado, dívidas, desilusões? Por que não seguiu a vida? Cadê as outras cigarras? Alguém sabia dessas suas intenções? Deixou uma carta?
E veio morrer aqui???

Sempre gosto das “coisas bem pensadas”... pelo homem ou pela natureza.
Mas... Cantar até explodir? Que idéia? Que natureza essa a sua, hein?
Equilíbrio? Onde, se já desequilibramos tantas coisas? Você não percebeu? O mundo mudou, o homem alterou muitas coisas, talvez você não precise levar a cabo todos seus instintos... a natureza já se torna outra também. Seus reflexos, impulsos e tendências naturais serão transformados.
Será que ir se matar dentro da casa dos outros, até explodir, é reflexo de desequilíbrios ambientais?

Isso foi ontem. E eu estou mexida até agora... ainda não entendi bem a história, ainda não aliviei os pesos todos.


(*) nome de um dos espetáculos mais fantásticos que eu já vi.

E eu espero nunca mais levar ao pé da letra os nomes dos espetáculos fantásticos que eu vejo...
E como agora eu estou com essa onda de ‘blog ilustradinho’, boto uma foto da dita cuja... Não, não é a que entrou aqui em casa. É alguma parenta desgarrada que não deve nem saber ainda dos percalços da vida dessa que cá esteve... mas é tão esquisita quanto, e está agora me ajudando a enfrentar meus medos e olhar para elas de frente.







... nessa casa se ouve Easy Star All Stars