segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Uma de mamãe


Mamãe é uma jovem senhora, cheia de novidades, atualidades e contemporaneidades.
Vez ou outra, ela fala umas gírias novas no pedaço. Vez em sempre, ela fala uns palavrões (tão cabeludos que até eu me choco!).
Mas o vocabulário novo de mamãe tem aumentado o repertório... Não só o vocabulário, mas a “vivência e experiência da vida em si”, né?
E esse nosso mundo atual anda tão corridinho, que as gerações mais “antigas” têm um gap grande aí para pularem e para se manterem na mesma freqüência...
Papai e mamãe são assim... Suam frio para conseguirem apertar o play de um vídeo cassete. Na verdade, se atropelam com a vitrola, que é mecânica... Brigam com o microondas, porque tem relógio digital (e que nunca marca a hora atual de nosso fuso horário). Brigam com o computador que eles, apesar de terem feito um curso rápido e introdutório, ainda não sabem bem para que serve, e por aí vai... Ao mesmo tempo também, são super ligados ou interessados em “coisas novas” que eles também não sabem bem para que servem, mas sabem que existem.
Papai certa vez, “segurou a linha” de uma ligação para mim no celular por quase 3 horas!!!!
Eu aqui ouvindo tudo que acontecia do lado de lá. Papai com uma chamada em andamento no bolso. Eu sem conseguir ligar para avisá-lo em desligar o celular. Ele sem nem saber que estava com um interurbano ativo no bolso há hooooras. Ai, ai...
Certa vez com mamãe aqui em casa, ela diz:
- Ihhh, meu celular apitando. Aahhhh... seu pai. Uma mensagem! – e fala toda bonitinha, didática e explicando o que acontecia - Ele descobriu como faz para mandar mensagens....
            - E aí, mãe? Que que manda? O que ele diz? Quer saber se a senhora chegou bem, se fez boa viagem?
            Ela bota os óculos, leva dez minutos para apertar 2 botõezinhos, e vai lendo devagarzinho:
            - Está escrito aqui... “Te amo para todo o sempre”.
- Hein?
E ela lê uma três vezes, para checar se tinha mesmo visto tudo:
 – Te-ê amo-ô pa-ra tôôô-do sem-pre. Te amo para todo sempre, acabou, foi isso que ele disse.
Não é muito fofo? Esses meus dois velhos não são o maior barato?
           
Bom, mas mamãe, em seu farto vocabulário contemporâneo, aprimorou e desenvolveu algumas coisas muito próprias...
- Ihhh... Preciso botar para energizar.
- É o que, mãe?
- Está fraquinho... Precisa energizar. – toda cuidadosa, com o celular na mão como se segurasse um passarinho baby que tivesse acabado de cair do ninho, sabe como é?
-Energizar, mãe?!?
Meu irmão interrompe:
- É. Acho que ela vai botar o celular embaixo de uma pirâmide de cristal, sacou?
- Aaaahhh... vai botar para carregar, é isso?
E mamãe:
- Isso! Vou energizar o celular. Precisa botar para energizar quando está fraquinho. Tem um fiozinho para ligar na tomada que é para energizar o celular, Daniela. Quando ele está fraquinho, acho que é porque está sem pilha, tem um fiozinho novo (que eu não faço a menor idéia de onde esteja) – e ela vai ficando empolgada e eufórica com “as atualidades” – então, tem um fiozinho novo que você liga na tomada para energizar e ele ressuscita.
(e então acho que deve ter vindo daí a inspiração para criarem um tamagochi...)
- ?

Pois bem, a última de mamãe da última vez que estive por lá.
Família reunida, momentos especiais, muitas coisas no mundo, e tem sempre alguém com uma câmera fazendo alguma foto.
Já no fim de noite, papinhos na cozinha, meu irmão saca a máquina e bate umas fotos da gente com mamãe.
Ela, por sua vez, (quando vê que está sendo fotografada) já nem espera direito acabar o clique.
- Deixa eu ver! Deixa eu ver!
E vai virando e puxando a máquina, e espiando de ladinho, bota os óculos - Deixa eu ver. Deixa eu ver!!!
E pensar que esperávamos acabar o filme... 12, 24 ou 36 fotos. Economizadas, curtidas, por vezes vários “assuntos”, temáticas e locais diferentes no mesmo filme até este acabar. Até um dia (em que se lembrasse) de levar para revelar... Até outro dia (em que se lembrasse) de ir buscar as fotos. Até aquele dia (ontem aêê), que víamos as fotos uma a uma, arrumávamos num “albinho”, fotos nos saquinhos...
Mamãe em menos de 3 segundos pós o clique:
- Deixa eu ver! Deixa eu ver! – parece um moleque de 5 anos na vez da fila do doce em dia de Cosme e Damião... – Deixa eu ver! Deixa e-u-v-e-e-e-r (....) Iiiiihhhh, Otávio! Degenera, degenera!
E sai meio andando em círculos, e olha bravíssima para a gente, e vai falando sério:
- Degenera! De-ge-ne-ra!
Eu com meus botões pensando em que raio de gíria é essa e o que catso será que quer dizer, que nunca ouvi na vida... Degenera? Mas de onde mamãe tirou isso? Será gíria nova da molecada que ela aprendeu com as crianças? Será que ela está achando assim tão ruim, que a foto está corrompida ou avariada, e essa tal gíria nova quer dizer isso? Ou então será que é para a gente estragar algo?
- De-ge-ne-ra! – e vai puxando a máquina da mão do meu irmão, e vai engrossando a voz, e vai ficando realmente brava, começa a reclamar, se lamentar, se torna o ser mais incompreendido deste planeta, e pipipi-popopó...
Eu intervenho:
- Mas que foi, mãe???? Taí toda brava, fazendo mal criação, puta-da-vida (do nada) com a gente, xingando aos 4 ventos, com esse papo de “degenera, degenera”, qual que é?!?
- Que seu irmão só faz foto feia comigo, que quando eu acho que não estou bem na foto não quero que a foto exista por aí, que ele tira fotos feias minhas e depois vai mostrar pros outros, que eu quero fazer outra, que eu sei que dá para apagar esta, estou falando que é para degenerar. Que é para jogar na lixeirinha e tirar outra bem bonita. Vai, Otávio... degenera isso!
- Aaahhhhh. DELETA? É isso, mãe? DELETAR?
- Isso, deleta... Deleta, degenera, tudo a mesma merda. O que vale é apagar a foto.

E não é que faz todo sentido?

Bom... eu não sei quando é que “deletar” entrou nos dicionários da Língua Portuguesa. Mas sei que entrou... Neologismos da era digital, né? Sei quando entrou no meu vocabulário recente. Sei que no meu dicionário (e que é o mesmo desde sempre, comprei novinho, feliz da vida, edição de 1985..), não há “deletar”.
No meu vocabulário mais distante, instintivo e profundo há “deleitar” (muito melhor e mais interessante...). E sei também que no mundo-novo-de-mamãe é “tudo a mesma merda”, o importante é ser compreendido, independente da palavra “que vocês inventam agora aí para complicar”.
E não é?




... nessa casa se ouve Sam Trapchak's Put Together Funny

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Um beijo e um queijo


           Outro dia terminei um papinho com um amigo e me despedi com:
 - Um beijo. E um queijo.

Havíamos conversado, muito brevemente até, sobre comida (e o maravilhoso pecado da gula); suas feituras e gostosuras, especialidades e frugalidades e outras filosofadas rápidas e imediatas.
Pois bem:
- Um beijo. E um queijo.
E o doce rapaz pergunta:
- E qual a especialidade?
Eu juro que ia responder sincera e espontaneamente... Mas em 10 segundos ou menos “pensei rápido, fofa”, e respondi de acordo com as boas normas de conduta, com as morais e os bons costumes, e com o meu pingo de sobriedade, vergonha (na cara) e diplomacia (e também de acordo com outros papinhos que já havíamos citado):
- Especialidade? Fresquinho e gostoso.

Lembrando...
- Um beijo. E um queijo.
- E qual a especialidade?
- Fresquinho e gostoso.

Óbvio (!!!!!!) que eu falara do queijo!
Mas é óbvio que eu falara do queijo, não?
Está na cara que eu estava falando do queijo!!!

E o que é que o rapaz fala?!?
- Você é saidinha.

Então eu (berrei) com os meus botões: - Saidinha?!? Eu mereço?!?
Por partes:
1.     Se eu fosse saidinha, eu teria dito (e não apenas pensado): - Especialidade? Atrás da orelha.
2.       Se eu tivesse lhe respondido isso, aí sim eu estaria falando do beijo.
3.      Se eu fosse saidinha, eu já teria dito outras coisas... já teria falado outras coisas... talvez até feito outras coisas.

Acho que nada disso eu falei (...), mas devo ter dito algo do tipo:
- Não sou saidinha. EU, pelo menos, não acho. Acho que sou muito contida, sou tímida, sou discreta. Senão, você não faz nem idéia do que eu já teria lhe falado...

Acho também que eu parei o papo por aí...
Enrubesci... (um pouco de nervoso, um pouco de vergonha).
Calei.
Acho sim que eu (podia estar) estava falando do queijo.


... nessa casa se ouve Popa Chubby